segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

A Social-Democracia Europeia

Não sou adepto dos artigos de Daniel Oliveira. A sua escrita e o estilo pomposo com que trata os temas, seguindo um caminho de conclusões rápidas e precipitadas, conduz irremediavelmente à demagogia. Mas um dos seus últimos artigos (Hollande e a esquerda orfã) foca a situação da social-democracia na Europa, pondo o dedo na ferida. Ignorando a sua conclusão relativa à necessidade de aceitar uma espécie de coligação com a esquerda radical, não posso deixar de reconhecer que a sua argumentação, no que concerne a evolução da social-democracia depois da queda do muro de Berlim, tem valor.

Assistiu-se, na sequência da destruição do bloco soviético, ao triunfo total do neoliberalismo. Desregulação é o termo chave para descrever as últimas 2 décadas. E se regulação existe, foi largamente ignorada.

Neste momento, não se pode por em causa a necessidade de efectuar reformas que garantam a sustentabilidade económica do País. Mas o problema, neste momento, não está tanto na forma como este governo gere as contas públicas. Infelizmente (porque se não fosse o caso, a situação seria muito mais simples), por mais que se queira atribuir a este governo o papel de mau da fita, o problema não pode ser resolvido em Lisboa.

A União Europeia foi criada sob o estandarte da democracia. No entanto, o seu funcionamento é muito pouco democrático. O debate da política europeia está, mesmo na presente crise, distante das atenções dos cidadãos dos diversos Estados que constituem a UE.

Repare-se, por exemplo, na pouca atenção nos média que merece a discussão do orçamento europeu para os próximos anos. Uma questão que é absolutamente fulcral para Portugal, mas que no entanto tem pouco impacto mediático.

Não é de admirar. As eleições para o Parlamento Europeu não são centradas num programa político coeso, comum e identificável. Portanto, as maiorias resultantes das eleições elegem então um Presidente da Comissão Europeia, sem que tenha havido um programa de "governo" sancionado pelos cidadãos.

Não percebo o porquê das coisas serem assim. Também não percebo o porquê do Presidente do Concelho Europeu não ser eleito por sufrágio universal. Tenho é a certeza das suas consequências. A Comissão Europeia é uma entidade distante dos cidadãos; há aqui uma alienação que é inadmissível. E fala-se muito no FMI, mas a maior fatia do resgate financeiro a Portugal advém de duas instituições europeias (o MEEF e o FEEF).

Se não há dúvidas que o caminho a seguir será o que levará, no médio/longo prazo, à união bancária, políticas económica e fiscal centralizadas e, finalmente, à emissão de títulos conjuntos (os eurobonds), a questão é como lá chegar.

Os sociais-democratas têm o dever moral e ideológico de defender sempre a democracia e o estado social. A democratização da estrutura da União Europeia é um imperativo que tem de constituir, neste momento, a principal batalha dos sociais-democratas. A defesa do estado social está ligada à necessidade de dar voz ao descontentamento dos cidadãos, e trazer a discussão da política europeia às populações é fulcral.

Não é possível imaginar novas reformas que envolvam mais perda de soberania para os países, sem que haja de facto uma União Europeia democrática. O tempo da construção europeia dentro de portas acabou. Não por vontade de alguns, mas por necessidade.

O recente discurso de David Cameron, e o anúncio de um referendo a realizar no Reino Unido, relativamente à posição deste na UE alarmou muitos federalistas. Está claro que, David Cameron, "chuta" o problema para canto ao anunciar este referendo para o "distante" ano de 2017. Mas ao fazê-lo, inviabiliza  reformas de relevo na União Europeia, já que não acredito numa Europa sem o Reino Unido. Este é fundamental para o equilíbrio de forças (para não falar na sua importância em termos económicos), especialmente numa altura em que a França se encontra numa situação fragilizada face à Alemanha. Este discurso desagradou federalistas, mas Cameron baseou-se no argumento imbatível da expressão da vontade do povo Britânico.

A direita está, actualmente, claramente associada ao neoliberalismo. É bom lembrar que nem sempre foi assim. Actualmente (desde, sobretudo, Thatcher e Reagan) é, e a luta contra esta fantasia que tem alimentado a ganância de alguns, drogado o resto da população com consumismo a crédito, e que tem minado o poder político subjugando-o à alta finança, é o outro grande imperativo ideológico actual dos partidos de centro-esquerda. Apenas trabalho produz riqueza. Assistimos a duas décadas em que o dinheiro virtual produzido por imaginativas operações financeiras permitiu que as pessoas tivessem acesso a crédito, sem correspondência com efectiva riqueza. Como o dinheiro é virtual, os momentos de crise  multiplicam-se e são mais frequentes e intensos.

No que concerne Portugal, a forma como o programa de ajustamento está delineado (e não há quase nada que esteja a ser feito que não esteja inscrito no memorando de entendimento), para ser executado num curto período de tempo, constitui um problema, já que um governo (seja ele qual for), tem margem de manobra quase nula para cumprir as exigências estipuladas em termos de cortes nas várias áreas. A alteração do programa é, portanto, uma necessidade.

Democratização das instituições europeias, continuação da construção do projecto europeu, defesa do Estado Social, luta contra o neoliberalismo, economia de mercado (com efectiva regulação), regulação da actividade bancária. Estas são razões fortes que sublinham a raison d'être dos partidos sociais-democratas.

3 comentários:

  1. Meu caro,
    Tenho algumas discordancias relativamente a este texto.
    1) Nao e' por os media nao ligarem a UE que a UE actua de forma pouco democratica. O PE e' directamente eleito pelos cidadaos e por este passa a maioria e mais relevante legislacao que vem de Bruxelas. Sem a aprovacao do PE, nao ha nem directivas nem regulamentos em todas as areas de competencias exclusivas ou partilhadas da UE. Tambem o Conselho e constituido por membros do governo e todos os governos dos EMs sao democraticamente eleitos. Por ultimo, a Comissao responde perante o PE.
    2) A ideia de um Presidente do Conselho democraticamente eleito nao faz sentido quando o Conselho deve representar os governos (que tambem sao eleitos). Os cidadaos ja sao representados no PE. Alias, a ideia de um PC permanente como existe desde o Trat. Lx ja e' absurda: neste momento ninguem sabe se e' o Pres. do Conselho ou o da Comissao que tem o telefone para quem telefona para a UE!
    3) O Estado Social na Europa funciona melhor naqueles paises que o reformaram a tempo nos anos 90, nomeadamente as Monarquias Escandinavas. Uma saudavel mistura entre Estado providente, regulador e incentivador substituiu o que ate ai era o Estado-todo-Poderoso nesses paises e fe-lo com notorio sucesso. Sera que os Sociais-Democratas vao querer voltar ao modelo Escandinavo anterior aos anos 90 que claramente se encontrava falido aquando da sua reforma?

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  2. Diogo, obrigado pelo comentário!
    1) O que quis dizer foi que a forma como a UE funciona resulta numa disfunção na comunicação com os cidadãos (Europeus); a alienação destes relativamente à política europeia reflecte-se na comunicação social; o PE não é desprovido de poder, antes pelo contrário. Mas quem tem o poder executivo é a Comissão Europeia, eleita de forma apenas indirecta; poderás argumentar que há um paralelo com o que se passa nos Estados; mas não é verdade: os deputados são eleitos em eleições legislativas, após as quais, no caso de Portugal, o PR convida o partido com maioria de votos a formar governo; a diferença reside no facto de os diferentes partidos irem a eleições com um programa eleitoral definido e um declarado candidato a PM;
    2) Uma vez que és monárquico, percebo a tua objecção à eleição de um PC; o PC é (suposto ser) uma espécie de PR;
    3) os sociais-democratas promovem o que acabaste de referir: um Estado providente, regulador e incentivador

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  3. No essencial até concordamos mas há um ou outro aspecto da tua análise que carece de maior rigor, nomeadamente, o facto de se estar a ir muito além do memorando. Mas, no mais importante estamos em acordo. Refiro-me ao funcionamento da U.E. e também à necessidade de reformular o plano do memorando. Tanto mais que veio agora a lume que o Excel que está na base nas previsões da Troika e do pressuposto de que países com uma divida superior a 90% do PIB não conseguem crescer contem um erro significativo.

    (http://economico.sapo.pt/noticias/erro-no-excel-poe-em-causa-relatorio-que-sustenta-austeridade_167273.html)

    O Financial Times refere que da fórmula de Excel usada para calcular a taxa média de crescimento no caso de a dívida ser superior a 90% foram retirados cinco países - Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá e Dinamarca. O erro reduziu o valor do crescimento médio de 2,2 % para - 0,1%.

    Posto isto... no comments ao rumo da austeridade....

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