segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

A Social-Democracia Europeia

Não sou adepto dos artigos de Daniel Oliveira. A sua escrita e o estilo pomposo com que trata os temas, seguindo um caminho de conclusões rápidas e precipitadas, conduz irremediavelmente à demagogia. Mas um dos seus últimos artigos (Hollande e a esquerda orfã) foca a situação da social-democracia na Europa, pondo o dedo na ferida. Ignorando a sua conclusão relativa à necessidade de aceitar uma espécie de coligação com a esquerda radical, não posso deixar de reconhecer que a sua argumentação, no que concerne a evolução da social-democracia depois da queda do muro de Berlim, tem valor.

Assistiu-se, na sequência da destruição do bloco soviético, ao triunfo total do neoliberalismo. Desregulação é o termo chave para descrever as últimas 2 décadas. E se regulação existe, foi largamente ignorada.

Neste momento, não se pode por em causa a necessidade de efectuar reformas que garantam a sustentabilidade económica do País. Mas o problema, neste momento, não está tanto na forma como este governo gere as contas públicas. Infelizmente (porque se não fosse o caso, a situação seria muito mais simples), por mais que se queira atribuir a este governo o papel de mau da fita, o problema não pode ser resolvido em Lisboa.

A União Europeia foi criada sob o estandarte da democracia. No entanto, o seu funcionamento é muito pouco democrático. O debate da política europeia está, mesmo na presente crise, distante das atenções dos cidadãos dos diversos Estados que constituem a UE.

Repare-se, por exemplo, na pouca atenção nos média que merece a discussão do orçamento europeu para os próximos anos. Uma questão que é absolutamente fulcral para Portugal, mas que no entanto tem pouco impacto mediático.

Não é de admirar. As eleições para o Parlamento Europeu não são centradas num programa político coeso, comum e identificável. Portanto, as maiorias resultantes das eleições elegem então um Presidente da Comissão Europeia, sem que tenha havido um programa de "governo" sancionado pelos cidadãos.

Não percebo o porquê das coisas serem assim. Também não percebo o porquê do Presidente do Concelho Europeu não ser eleito por sufrágio universal. Tenho é a certeza das suas consequências. A Comissão Europeia é uma entidade distante dos cidadãos; há aqui uma alienação que é inadmissível. E fala-se muito no FMI, mas a maior fatia do resgate financeiro a Portugal advém de duas instituições europeias (o MEEF e o FEEF).

Se não há dúvidas que o caminho a seguir será o que levará, no médio/longo prazo, à união bancária, políticas económica e fiscal centralizadas e, finalmente, à emissão de títulos conjuntos (os eurobonds), a questão é como lá chegar.

Os sociais-democratas têm o dever moral e ideológico de defender sempre a democracia e o estado social. A democratização da estrutura da União Europeia é um imperativo que tem de constituir, neste momento, a principal batalha dos sociais-democratas. A defesa do estado social está ligada à necessidade de dar voz ao descontentamento dos cidadãos, e trazer a discussão da política europeia às populações é fulcral.

Não é possível imaginar novas reformas que envolvam mais perda de soberania para os países, sem que haja de facto uma União Europeia democrática. O tempo da construção europeia dentro de portas acabou. Não por vontade de alguns, mas por necessidade.

O recente discurso de David Cameron, e o anúncio de um referendo a realizar no Reino Unido, relativamente à posição deste na UE alarmou muitos federalistas. Está claro que, David Cameron, "chuta" o problema para canto ao anunciar este referendo para o "distante" ano de 2017. Mas ao fazê-lo, inviabiliza  reformas de relevo na União Europeia, já que não acredito numa Europa sem o Reino Unido. Este é fundamental para o equilíbrio de forças (para não falar na sua importância em termos económicos), especialmente numa altura em que a França se encontra numa situação fragilizada face à Alemanha. Este discurso desagradou federalistas, mas Cameron baseou-se no argumento imbatível da expressão da vontade do povo Britânico.

A direita está, actualmente, claramente associada ao neoliberalismo. É bom lembrar que nem sempre foi assim. Actualmente (desde, sobretudo, Thatcher e Reagan) é, e a luta contra esta fantasia que tem alimentado a ganância de alguns, drogado o resto da população com consumismo a crédito, e que tem minado o poder político subjugando-o à alta finança, é o outro grande imperativo ideológico actual dos partidos de centro-esquerda. Apenas trabalho produz riqueza. Assistimos a duas décadas em que o dinheiro virtual produzido por imaginativas operações financeiras permitiu que as pessoas tivessem acesso a crédito, sem correspondência com efectiva riqueza. Como o dinheiro é virtual, os momentos de crise  multiplicam-se e são mais frequentes e intensos.

No que concerne Portugal, a forma como o programa de ajustamento está delineado (e não há quase nada que esteja a ser feito que não esteja inscrito no memorando de entendimento), para ser executado num curto período de tempo, constitui um problema, já que um governo (seja ele qual for), tem margem de manobra quase nula para cumprir as exigências estipuladas em termos de cortes nas várias áreas. A alteração do programa é, portanto, uma necessidade.

Democratização das instituições europeias, continuação da construção do projecto europeu, defesa do Estado Social, luta contra o neoliberalismo, economia de mercado (com efectiva regulação), regulação da actividade bancária. Estas são razões fortes que sublinham a raison d'être dos partidos sociais-democratas.

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Crise no Egipto

A Stratfor analisa a situação no Egipto. Numa altura em que as tensões na Síria continuam em alta, e em que o Ocidente eleva a bandeira da democracia para justificar os apoios aos rebeldes, é importante olhar para o que está acontecer no Egipto para perceber o quanto a situação é arriscada e imprevisível. Em foco, a tendência para o fim das autocracias no países islâmicos e, por outro lado, a falta de valores democráticos.

A Crise do Estado no Egipto

domingo, 3 de fevereiro de 2013

Winston Churchill

Num passado não muito distante, ser de direita não significada ser neoliberal. A justiça e o bem estar social faziam parte da agenda política, e o humanismo era intrínseco. Winston Churchill teve um papel determinante na implementação de reformas que promoveram decisivamente a evolução do estado social no Reino Unido, nomeadamente durante os anos em que foi membro do governo liberal de Herbert Henry Asquith.

Trata-se de um político que representa também uma época em que os interesses do Estado são supremos, e todos os outros - economia, indústria, finanças, etc - lhe são subservientes. Foi o pináculo do sistema de Estados-Nação, em que a própria ideologia na base do sistema e do conceito de "Nação" não permitia outra forma de ver as coisas e ditar a política. Mas Churchill viu também as espectaculares brechas deste sistema, e o seu terrível desenlace nas duas piores guerras da história da Humanidade. A carnificina e horror que daí resultaram, e a instabilidade vivida ao longo dos 40 anos anteriores, convenceram-no da necessidade da criação de uma Europa unida, embora com o Reino Unido fora de uma eventual federação.

Não foi, como é óbvio, um homem isento de defeitos. Mas num tempo em que vemos a política vendida ao capital, e palavras como competência, dignidade e honra são encaradas com um quase desdém e troça, é bom lembrar exemplos destes.

Churchill, pelo seu papel nuclear como grande líder contra a tirania da aberração nazi, força de carácter  e poder de inspiração, dando coragem a quem sofria aqueles terríveis tempos, merece indiscutivelmente a o lugar especial que a História lhe atribui.

A sua abnegação, carácter obstinado e exemplo de força em face da tempestade constituem um modelo. De político e de Homem.

If You're Going Through Hell, Keep Going

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Consequências da revolução Síria

Bernardo Pires de Lima apresenta neste artigo uma opinião sobre as consequências para a Turquia da revolução Síria: Problemas Turcos

Também para Israel a questão é complexa. À partida poderá parecer evidente que com a perda por parte do Irão do seu maior aliado, a ameaça que constituirão o Hezzbollah e o Hamas no caso de um conflito entre Israel e o Irão será também diminuida. Mas a questão poderá não ser tão simples. A queda do governo de Assad poderá levar ao ressurgimento de conflitos com a Síria e representará também perda de controlo sobre o Hezzbollah. A potencial descentralização do poder na Síria poderá ter consequências para a Turquia, mas também para Israel. A atitude expectante de Israel durante grande parte destes tumultuosos meses será justificável, já que há diferentes interpretações das consequências  da queda dos Alauitas. Parece evidente que o  Irão ficará a perder, mas a desestabilização da Síria é um factor que não pode ser ignorado nem pela Turquia nem por Israel.




A importância do ensino superior em Portugal

O ensino superior em Portugal tem merecido ampla discussão pública em virtude do altíssimo desemprego entre jovens licenciados (30%? 40 %), já para não falar em empregabilidade precária. Vários analistas, assim como uma significativa parte da população, conclui que temos licenciados a mais, e que se deveria limitar o acesso ao ensino superior.

Esta é uma questão que tem dimensão geopolítica, já que o nível educacional geral da população tem implicação directa nos tecidos empresarial e industrial, na estrutura económica, e na relação com parceiros económicos, e no nosso caso, políticos.

Portugal é um país europeu periférico, com poucos recursos, e de difícil acessibilidade terrestre. Nada de novo aqui. Portugal não tem alternativa senão consolidar a sua economia terciária. A fantasia de alguns de que turismo, agricultura e pesca poderão constituir o bastião da nossa economia não passam de isso mesmo: fantasias e, para mais, desinformadas. Isto numa economia de mercado, integrada no sistema internacional. Em matéria de produção não temos qualquer capacidade de competir, a não ser em áreas especializadas e produtos de valor acrescentado, com economias em desenvolvimento, cujos custos de produção são muito inferiores aos Portugueses.

Portugal tem de por definitivamente de lado a ideia clássica e ultrapassada do que representa ter um curso superior. Ser licenciado não dá qualquer direito a emprego garantido, ou a um chorudo salário. Não dá direito a nada! O que dá é conhecimento. Temperado com experiência, oferece know-how. E oferece também dinamismo intelectual. Ter um curso representa um valor acrescentado. Empregabilidade e salários altos estão relacionados com a maior ou menor procura de profissionais e a riqueza que estes produzem.

Fala-se muito na emigração de jovens qualificados, resultante do facto de não conseguirem emprego em Portugal. Vivo em Macau e vejo expatriados de vários países espalhados por Macau, Hong Kong, Singapura, etc. São Ingleses, Australianos, Americanos, Alemães... Isto para dizer que a mobilidade de agentes económicos é algo normal num mundo globalizado. Não é por acaso que vemos engenheiros e arquitectos Portugueses na Alemanha, França ou Inglaterra.

Mas os que ficam em Portugal representam uma mais valia preciosa para o país. Portugal tem hoje gente de qualidade técnica inquestionável. Temos em Braga o Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia. O INEGI no Porto a desenvolver trabalhos importantes, por exemplo em matéria de energias renováveis. Tudo com parcerias com a indústria. Pareciros do INEGI incluem a GALP, EFACEC, SONAE, AIRBUS, NASA e RENAULT.

Nada disto quer dizer que está tudo bem. Há licenciados que têm maiores dificuldades, por terem um universo mais limitado em termos de mobilidade. Um caso óbvio é o curso de Direito. Mesmo assim, um licenciado em Direito tem um universo vasto de aplicação do conhecimento adquirido. Não tem necessariamente de ser um advogado, ou jurista. Pode ser um empresário.

Outra questão é a qualidade de certas instituições de ensino. O caso recente dessa ignóbil porcaria chamada Universidade Lusófona (e outras) é demonstrativo dos negócios sujos que têm sido feitos à conta do ensino e de ilusões e equívocos de muita gente.

Nada do que aqui escrevo menospreza de forma alguma as pessoas que não são licenciadas. O seu contributo para a sociedade é igualmente válido. Apenas sublinho a importância que tem para um país desenvolvido ter uma apreciável percentagem da população com formação técnica que permita atingir os níveis de competitividade e produtividade necessários. Sobretudo no caso de Portugal.


segunda-feira, 23 de julho de 2012

União quê?

Há uns dias li um artigo em que se fazia uma justa homenagem a políticos que pela sua coragem, visão, determinação e bom senso, alteraram o rumo dos acontecimentos numa direcção que a história acabaria por mostrar ser a mais correcta. Um exemplo citado foi Gorbachev. E o analista perguntava: e se nessas alturas tivéssemos tido antes políticos como os actuais? Cujas acções são claramente condicionadas pelas suas implicações eleitorais?

No fundo a pergunta é de fácil resposta. É exactamente o que aconteceu nos anos 30 em Inglaterra, conforme detalhadamente narrado por Winston Churchill na sua seminal obra sobre a 2ª Guerra Mundial.

Lembrei-me disto ao ler esta notícia:
http://expresso.sapo.pt/saida-da-grecia-do-euro-e-possivel-e-ja-nao-assusta=f741466

É sabido que a Turquia deixou de ter pressa (e, talvez, até vontade) de passar a fazer parte da União Europeia (mais uma na lista de erros crassos da política europeia). Pergunto se o Egeu deixou de ser importante. É que se eu fosse Grego, perante isto, não só quereria deixar o Euro como desejaria também deixar a UE, mantendo apenas ligações económicas à semelhança da Turquia.

É que se a UE é isto, então realmente não interessará a (quase) ninguém.

quinta-feira, 31 de maio de 2012

Imperativos Europeus

Do ponto de vista da política internacional, questões como segurança, acessibilidade e recursos naturais são prioritárias. As três estão ligadas, já que a acção de estados a este nível é em primeiro lugar motivada ou por razões económicas ou estratégicas relacionadas com segurança e/ou comércio e indústria. A existência ou não de recursos (energéticos, água, etc) e de terra arável, condições de acesso aos mesmos, e preocupações básicas de segurança definem as posições de um estado no xadrez internacional.

Estas são questões básicas de sobrevivência. O resto gravita à volta e a partir destes imperativos. Definidos estes, num segundo plano encontramos a definição do sistema de sociedade que materializa o funcionamento dos estados. É aqui que entra a política interna e a esmagadora maioria do debate que  domina a atenção dos média e a discussão pública. Questões ideológicas podem, no entanto, servir de instrumento na "batalha" geopolítica. A Guerra Fria é um exemplo disto.

Mas o Pacto Molotov-Ribbentrop (Tratado de Não-Agressão celebrado entre a Alemanha nazi e a URSS, assinado em 1939) é uma amostra típica de uma situação em que imperativos geopolíticos anulam diferenças ideológicas, por mais viris que estas sejam. Outro exemplo é a França do Cardeal Richelieu durante a Guerra dos 30 Anos, apoiando principados germânicos e a Suécia protestantes contra os católicos Habsburgos.


Mundo multi-polar: grandes potências do século XXI

Assistimos actualmente a uma progressiva alteração do quadro político mundial. A ascensão dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), aos quais podemos juntar a Turquia, Irão, Indonésia e México, estados que caminham rapidamente para a afirmação como potências regionais, constitui um desafio geopolítico que não pode ser ignorado. Os EUA, ainda a única verdadeira superpotência, percebeu já esta situação e tem vindo a dedicar cada vez mais atenção ao Pacífico, em deterimento da Europa. Para isto terão contribuído vários factores:
  • final da Guerra Fria; desmantelamento do bloco soviético;
  • estabilização dos equilíbrios na Europa de Leste;
  • a aparente aceitação da esfera de influência Russa - assumida com a vitória desta na crise do Cáucaso de 2008;
  • o desenvolvimento económico e militar da China, com a perspectiva de crescente assertividade da mesma no Sudeste Asiático.

Segurança Interna

A história europeia é marcada pela existência contínua de conflitos, que atingiram o seu auge com as duas guerras mundiais.


Mapa Europeu actual

A Grande Planície Europeia é uma estreita faixa que "desce" dos Montes Urais e acaba no Atlântico acima dos Pirineus. É uma região rica em recursos naturais, fértil, e com vários rios que enriquecem o solo e constituem canais de transporte. Este é também facilitado pela baixa topografia. É portanto uma área com todos os ingredientes necessários para a dinamização económica. A sua geografia favoreceu a criação e concentração de centros urbanos, propiciando o comércio.

Além Alpes temos o Vale do Pó em Itália, outra zona rica, mas com um espaço geográficamente mais constrangido. O Mediterrâneo, principal área de comércio até ao Renascimento, perdeu importância após a queda de Constantinopla para os Turcos Otomanos e a consequente interrupção do comércio com o Oriente através da Rota da Seda, promovendo a expansão Atlântica, materializada primeiro pelos Portugueses e pelos Espanhóis, marcando o fim do período de hegemonia comercial das Repúblicas de Veneza e Génova.

Geografia Europeia

Com o Renascimento veio o desenvolvimento tecnológico, e o Norte Europeu tornou-se a zona central de poder na "península" eurasiática, ascensão consolidada por Holandeses, Ingleses e Franceses. A revolução industrial proporcionou a optimização dos meios de produção e o fortalecimento bélico. A Europa, ancorada na sua superioridade militar e tecnológica, dominava grande parte do mundo.

Europa - 1700 AD

As mesmas condições geográficas (multiplicidade de rios, cordilheiras montanhosas), aliadas ao sistema feudal de governação, favoreceram a existência de vários estados, em oposição à de um hegemónico. O mapa europeu de 1700 (acima) é esclarecedor: a zona correspondente à Grande Planície dividiu-se ao longo dos séculos numa multitude de reinos e principados, cujas fronteiras foram variando mais ou menos continuamente. A Inglaterra, isolada (e, portanto, protegida) sempre interferiu no noroeste Europeu com vista a salvaguardar os seus interesses, enquanto a França se defendia ou projectava poder nesta zona, onde era mais vulnerável. O Sacro Império Romano-Germânico, uma espécie de confederação de estados e principados germânicos, era a sua maior ameaça continental. No entanto, a arquitectura do império não permitiu uma efectiva centralização do poder. Esta situação foi ainda mais acentuada depois da Reforma Protestante e da Guerra dos 30 anos entre Protestantes e Católicos. Depois da Paz de Vestefália (1648), a França tornou-se a potência continental dominante.  

Com acesso ao Mar do Norte, ao Atlântico e ao Mediterrâneo, e com fronteiras naturais a Sudeste e a Sudoeste, sendo apenas vulnerável na Grande Planície, a França era, entre as potências europeias, a melhor posicionada para uma tentativa de dominar o continente. Apenas a efectiva centralização da administração do estado promovida por Napoleão permitiu a concentração de meios que viabilizasse uma real tentativa de materializar os seus planos de conquista. Falhou, porque a tarefa e os recursos humanos e materiais necessários para a conseguir são simplesmente incomportáveis.

No entanto, as consequências das Guerras Napoleónicas perduram até hoje. A centralização da administração levou à cristalização do conceito de estado-nação (ao qual, a partir do final do século XIX, foram acrescentados requintes fantasiosos inspirados em manipulações da teoria evolutiva de Charles Darwin, com consequências catastróficas para as gerações seguintes).

Do Congresso de Viena (1815) resultou uma nova ordem europeia, dominada por 5 grandes potências: Áustria, Reino Unido, Rússia, Prússia e França.

Ordem Europeia pós-Guerras Napoleónicas (1815)

Ao longo do século XIX os movimentos nacionalistas ganharam força, culminando nas uniões da Itália (1861) e da Alemanha (1871). A unificação Alemã surgiu no seguimento da vitória da Prússia na Guerra Franco-Prussiana de 1870. Que  a cerimónia de proclamação do II Reich tenha ocorrido em Versalhes, só sublinha o verdadeiro terramoto político que constituiu. Nunca a Alemanha tinha verdadeiramente sido unida, apresentando-se agora como um estado único sob a firme liderança prussiana. 

Proclamação do Império Alemão em Versalhes

Este acontecimento destruiu o equilíbrio de poder que tinha resultado do Congresso de Viena. E a Europa foi incapaz de encontrar uma forma de coexistência com uma Alemanha unida, daí resultando duas guerras mundiais que a arrasaram.

Da leitura destes factos históricos, resulta uma conclusão simples: não é possível a nenhum estado-nação materializar a ambição de dominar o continente europeu. Mas resulta também uma interrogação: será o sistema de estados-nação compatível com a coexistência com uma Alemanha unida?

Uma União de Europeus

A ideia de uma união de estados europeus não é, portanto, nova. Mas é nos termos em que tem sido construída desde há 60 anos. Reconhecem-se dois factores:
  • não é possível a um estado europeu exercer hegemonia sobre todo o continente;
  • a estrutura económica europeia, em si resultante dos próprios condicionalismos naturais do território, é incompatível com a alienação da Alemanha do espaço europeu.
Depois da Segunda Guerra Mundial, o arranjo das peças no tabuleiro tornava evidente a táctica a seguir:
  • Os EUA e a URSS estabeleceram-se como as duas superpotências, definindo desde logo as suas áreas de influência;
  • formaram-se assim dois grandes blocos: os países que aderiram à Organização do Tratado do Norte-Atlântico; os países do Pacto de Varsóvia;
  • perante o desafio da reconstrução europeia, a ameaça soviética e a necessidade de encontar uma forma de co-existência pacífica, a constituição de uma união económica tornou-se necessária.
Outro factor determinante no mundo pós-1945 foi o fim dos impérios coloniais, premissa inscrita na Carta do Atlântico assinada por Roosevelt e Churchill pouco antes da entrada dos EUA na 2ª Grande Guerra, onde os signatários comprometiam-se a "respeitar o direito das pessoas de escolher a forma de governo sob a qual viverão".


Mapa Colonial (1936)

Os Americanos reinvindicavam assim o fim do domínio colonial europeu sobre outras áreas do globo, áreas essas que constituem pontos estratégicos em matéria de recursos naturais e de rotas comerciais. Este facto veio limitar ainda mais a capacidade de projecção unilateral de poder de países europeus.

De notar que o mecanismo de integração europeia teria sempre de ser alicerçado em valores democráticos exactamente por estar posta de parte à partida a ideia de uma potência hegemónica, antes constituindo um veículo de aproximação de estados com vista a uma convivência pacífica baseada numa filosofia comum: estado de direito, economia de mercado, respeito pelos direitos humanos. A natureza ideológica da Guerra Fria apenas sublinhou e reforçou este facto.

O fim dos impérios coloniais contrastou com a necessidade continua de matérias-primas e do estabelecimento e/ou salvaguarda de parcerias comerciais. A globalização surge então como uma necessidade e como uma consequência, ancorada no desenvolvimento tecnológico. As distâncias foram encurtadas e o comércio tornou-se cada vez mais globalizado, promovendo um maior e mais eficiente fluxo de agentes, bens e serviços.

Esta filosofia que esteve na génese da própria União Europeia difundiu-se, portanto, pelo resto do mundo, num cada vez maior entendimento marcado pela diplomacia económica tendo em vista a procura de benefícios mútuos e o desenvolvimento global, resultando daí uma desejada convivência pacífica.


O Fim da História e o Depois

Actualmente os EUA continuam a ser a única potência com capacidade de intervenção militar à escala global, sendo portanto a única superpotência. No entanto o mundo caminha a passos largos para uma arquitectura multi-polar, cujo equilíbrio é dependente da influência exercida pelos principais intervenientes. 

Neste novo palco a Europa só terá influência se se apresentar unida, como a maior economia mundial e estrategicamente apetrechada com uma base (continente) integrada, dominando a sua área circundante, numa perspectiva de se apresentar na cena internacional numa posição de força e com uma capacidade de intervenção inegável.

Com uma fronteira predominantemente marítima, o transporte de mercadorias é feito principalmente através desta via. A salvaguarda do fluxo de navios mercantes implica controlo do espaço de influência directa europeia, e o estabelecimento e manutenção de parcerias estratégicas em zonas sensíveis. A ideia de, nestas condições, uma União de Estados Europeus não cobrir toda a península Eurasiática parece simplesmente ilógica.


Principais rotas marítimas mundiais



Proposta de Grande Área de Influência da União Europeia (James Rogers, Egmont Institute)

A actual crise das dívidas soberanas tem levantado interrogações sobre o projecto europeu, fundamentando-as nas fortes clivagens que existem dentro da própria Europa, tanto ao nível de riqueza como mesmo ao nível social, argumentando-se que não existe uma verdadeira identidade europeia.

Trata-se de duas falsas questões. Em primeiro lugar, clivagens como as que se verificam na Europa verificam-se também em qualquer federação, podendo-se apontar desde já os exemplos Americano e Chinês, sendo nestes casos as diferenças superiores (e por vezes muito superiores) às que se encontram na União Europeia.

Recursos Energéticos na Europa

PIB no mundo

Ao já anteriormente mencionando, acrescente-se o factor demográfico. A estrutura etária nos vários países que compõem a União Europeia não é homogénea o que, mais uma vez, favorece a integração e a mobilidade de pessoas. 

Estrutura Etária na UE - percentagem da população com mais de 65 anos

Por último, é difícil imaginar a União Europeia tornar-se uma federação nos mesmos moldes de, por exemplo, uns Estados Unidos da América. Se maior integração é inevitável, os diferentes estados apresentam, pelos seus pesos históricos e culturais, identidades vincadas demais para que esse género de federalismo seja viável. O que será mais realista é a existência, de facto, de uma união política que reconheça esta mesma condicionante. Que, na verdade, constitui uma força. Existem 250 milhões de falantes Portugueses no mundo (língua-mãe). 360 milhões de Espanhol, aos quais se adicionam falantes de Inglês e Francês. Esta questão poderá parecer à partida de menor importância, mas não é. A língua é um elemento importante de identidade e, naturalmente, um poderoso instrumento diplomático. Esta diversidade linguística na Europa, longe de ser um problema, é uma vantagem. Dá à União Europeia uma dimensão universalista.

Quanto a identidade europeia, devemos ter uma visão talvez mais realista: a Itália e a Alemanha, duas das maiores economias europeias, são estados recentes. A Alemanha não é mais do que a unificação de vários estados germânicos cozinhada por Otto von Bismark ao som de Wagner. A sua consolidação como nação foi facilitada, claro, por uma língua comum, mas os diferentes estados não perderam um forte sentido de identidade regional. Outros exemplos são Itália e Espanha. Na Europa Central e de Leste as fronteiras entre estados foram-se modificando frequentemente ao longo da história.

Esta é a realidade europeia. E a crise económica actual reduz-se a um problema pontual face ao desafio herculeano que a Europa enfrenta: vencer as suas diferenças internas e resíduos nacionalistas que barram o caminho já traçado de progressiva integração, que não é senão a sequência lógica do que tem sido feito até agora. A aceleração do processo seria apenas uma consequência das circunstâncias decorrentes da conjuntura actual e do que se perspectiva para o futuro. Numa altura em que se multiplicam os acordos bilaterais entre estados europeus e países extra-Europa, e em que se debate a possibilidade da saída da Grécia (um perfeito absurdo geopolítico!), convém que os decisores políticos tenham presente o que está em jogo e as consequências das suas acções. O futuro virá, e nos tempos que correm, cada vez mais depressa.