Bernardo Pires de Lima apresenta neste artigo uma opinião sobre as consequências para a Turquia da revolução Síria: Problemas Turcos
Também para Israel a questão é complexa. À partida poderá parecer evidente que com a perda por parte do Irão do seu maior aliado, a ameaça que constituirão o Hezzbollah e o Hamas no caso de um conflito entre Israel e o Irão será também diminuida. Mas a questão poderá não ser tão simples. A queda do governo de Assad poderá levar ao ressurgimento de conflitos com a Síria e representará também perda de controlo sobre o Hezzbollah. A potencial descentralização do poder na Síria poderá ter consequências para a Turquia, mas também para Israel. A atitude expectante de Israel durante grande parte destes tumultuosos meses será justificável, já que há diferentes interpretações das consequências da queda dos Alauitas. Parece evidente que o Irão ficará a perder, mas a desestabilização da Síria é um factor que não pode ser ignorado nem pela Turquia nem por Israel.
quarta-feira, 8 de agosto de 2012
A importância do ensino superior em Portugal
O ensino superior em Portugal tem merecido ampla discussão pública em virtude do altíssimo desemprego entre jovens licenciados (30%? 40 %), já para não falar em empregabilidade precária. Vários analistas, assim como uma significativa parte da população, conclui que temos licenciados a mais, e que se deveria limitar o acesso ao ensino superior.
Esta é uma questão que tem dimensão geopolítica, já que o nível educacional geral da população tem implicação directa nos tecidos empresarial e industrial, na estrutura económica, e na relação com parceiros económicos, e no nosso caso, políticos.
Portugal é um país europeu periférico, com poucos recursos, e de difícil acessibilidade terrestre. Nada de novo aqui. Portugal não tem alternativa senão consolidar a sua economia terciária. A fantasia de alguns de que turismo, agricultura e pesca poderão constituir o bastião da nossa economia não passam de isso mesmo: fantasias e, para mais, desinformadas. Isto numa economia de mercado, integrada no sistema internacional. Em matéria de produção não temos qualquer capacidade de competir, a não ser em áreas especializadas e produtos de valor acrescentado, com economias em desenvolvimento, cujos custos de produção são muito inferiores aos Portugueses.
Portugal tem de por definitivamente de lado a ideia clássica e ultrapassada do que representa ter um curso superior. Ser licenciado não dá qualquer direito a emprego garantido, ou a um chorudo salário. Não dá direito a nada! O que dá é conhecimento. Temperado com experiência, oferece know-how. E oferece também dinamismo intelectual. Ter um curso representa um valor acrescentado. Empregabilidade e salários altos estão relacionados com a maior ou menor procura de profissionais e a riqueza que estes produzem.
Fala-se muito na emigração de jovens qualificados, resultante do facto de não conseguirem emprego em Portugal. Vivo em Macau e vejo expatriados de vários países espalhados por Macau, Hong Kong, Singapura, etc. São Ingleses, Australianos, Americanos, Alemães... Isto para dizer que a mobilidade de agentes económicos é algo normal num mundo globalizado. Não é por acaso que vemos engenheiros e arquitectos Portugueses na Alemanha, França ou Inglaterra.
Mas os que ficam em Portugal representam uma mais valia preciosa para o país. Portugal tem hoje gente de qualidade técnica inquestionável. Temos em Braga o Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia. O INEGI no Porto a desenvolver trabalhos importantes, por exemplo em matéria de energias renováveis. Tudo com parcerias com a indústria. Pareciros do INEGI incluem a GALP, EFACEC, SONAE, AIRBUS, NASA e RENAULT.
Nada disto quer dizer que está tudo bem. Há licenciados que têm maiores dificuldades, por terem um universo mais limitado em termos de mobilidade. Um caso óbvio é o curso de Direito. Mesmo assim, um licenciado em Direito tem um universo vasto de aplicação do conhecimento adquirido. Não tem necessariamente de ser um advogado, ou jurista. Pode ser um empresário.
Outra questão é a qualidade de certas instituições de ensino. O caso recente dessa ignóbil porcaria chamada Universidade Lusófona (e outras) é demonstrativo dos negócios sujos que têm sido feitos à conta do ensino e de ilusões e equívocos de muita gente.
Nada do que aqui escrevo menospreza de forma alguma as pessoas que não são licenciadas. O seu contributo para a sociedade é igualmente válido. Apenas sublinho a importância que tem para um país desenvolvido ter uma apreciável percentagem da população com formação técnica que permita atingir os níveis de competitividade e produtividade necessários. Sobretudo no caso de Portugal.
Esta é uma questão que tem dimensão geopolítica, já que o nível educacional geral da população tem implicação directa nos tecidos empresarial e industrial, na estrutura económica, e na relação com parceiros económicos, e no nosso caso, políticos.
Portugal é um país europeu periférico, com poucos recursos, e de difícil acessibilidade terrestre. Nada de novo aqui. Portugal não tem alternativa senão consolidar a sua economia terciária. A fantasia de alguns de que turismo, agricultura e pesca poderão constituir o bastião da nossa economia não passam de isso mesmo: fantasias e, para mais, desinformadas. Isto numa economia de mercado, integrada no sistema internacional. Em matéria de produção não temos qualquer capacidade de competir, a não ser em áreas especializadas e produtos de valor acrescentado, com economias em desenvolvimento, cujos custos de produção são muito inferiores aos Portugueses.
Portugal tem de por definitivamente de lado a ideia clássica e ultrapassada do que representa ter um curso superior. Ser licenciado não dá qualquer direito a emprego garantido, ou a um chorudo salário. Não dá direito a nada! O que dá é conhecimento. Temperado com experiência, oferece know-how. E oferece também dinamismo intelectual. Ter um curso representa um valor acrescentado. Empregabilidade e salários altos estão relacionados com a maior ou menor procura de profissionais e a riqueza que estes produzem.
Fala-se muito na emigração de jovens qualificados, resultante do facto de não conseguirem emprego em Portugal. Vivo em Macau e vejo expatriados de vários países espalhados por Macau, Hong Kong, Singapura, etc. São Ingleses, Australianos, Americanos, Alemães... Isto para dizer que a mobilidade de agentes económicos é algo normal num mundo globalizado. Não é por acaso que vemos engenheiros e arquitectos Portugueses na Alemanha, França ou Inglaterra.
Mas os que ficam em Portugal representam uma mais valia preciosa para o país. Portugal tem hoje gente de qualidade técnica inquestionável. Temos em Braga o Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia. O INEGI no Porto a desenvolver trabalhos importantes, por exemplo em matéria de energias renováveis. Tudo com parcerias com a indústria. Pareciros do INEGI incluem a GALP, EFACEC, SONAE, AIRBUS, NASA e RENAULT.
Nada disto quer dizer que está tudo bem. Há licenciados que têm maiores dificuldades, por terem um universo mais limitado em termos de mobilidade. Um caso óbvio é o curso de Direito. Mesmo assim, um licenciado em Direito tem um universo vasto de aplicação do conhecimento adquirido. Não tem necessariamente de ser um advogado, ou jurista. Pode ser um empresário.
Outra questão é a qualidade de certas instituições de ensino. O caso recente dessa ignóbil porcaria chamada Universidade Lusófona (e outras) é demonstrativo dos negócios sujos que têm sido feitos à conta do ensino e de ilusões e equívocos de muita gente.
Nada do que aqui escrevo menospreza de forma alguma as pessoas que não são licenciadas. O seu contributo para a sociedade é igualmente válido. Apenas sublinho a importância que tem para um país desenvolvido ter uma apreciável percentagem da população com formação técnica que permita atingir os níveis de competitividade e produtividade necessários. Sobretudo no caso de Portugal.
segunda-feira, 23 de julho de 2012
União quê?
Há uns dias li um artigo em que se fazia uma justa homenagem a políticos que pela sua coragem, visão, determinação e bom senso, alteraram o rumo dos acontecimentos numa direcção que a história acabaria por mostrar ser a mais correcta. Um exemplo citado foi Gorbachev. E o analista perguntava: e se nessas alturas tivéssemos tido antes políticos como os actuais? Cujas acções são claramente condicionadas pelas suas implicações eleitorais?
No fundo a pergunta é de fácil resposta. É exactamente o que aconteceu nos anos 30 em Inglaterra, conforme detalhadamente narrado por Winston Churchill na sua seminal obra sobre a 2ª Guerra Mundial.
Lembrei-me disto ao ler esta notícia:
http://expresso.sapo.pt/saida-da-grecia-do-euro-e-possivel-e-ja-nao-assusta=f741466
É sabido que a Turquia deixou de ter pressa (e, talvez, até vontade) de passar a fazer parte da União Europeia (mais uma na lista de erros crassos da política europeia). Pergunto se o Egeu deixou de ser importante. É que se eu fosse Grego, perante isto, não só quereria deixar o Euro como desejaria também deixar a UE, mantendo apenas ligações económicas à semelhança da Turquia.
É que se a UE é isto, então realmente não interessará a (quase) ninguém.
No fundo a pergunta é de fácil resposta. É exactamente o que aconteceu nos anos 30 em Inglaterra, conforme detalhadamente narrado por Winston Churchill na sua seminal obra sobre a 2ª Guerra Mundial.
Lembrei-me disto ao ler esta notícia:
http://expresso.sapo.pt/saida-da-grecia-do-euro-e-possivel-e-ja-nao-assusta=f741466
É sabido que a Turquia deixou de ter pressa (e, talvez, até vontade) de passar a fazer parte da União Europeia (mais uma na lista de erros crassos da política europeia). Pergunto se o Egeu deixou de ser importante. É que se eu fosse Grego, perante isto, não só quereria deixar o Euro como desejaria também deixar a UE, mantendo apenas ligações económicas à semelhança da Turquia.
É que se a UE é isto, então realmente não interessará a (quase) ninguém.
quinta-feira, 31 de maio de 2012
Imperativos Europeus
Do ponto de vista da política internacional, questões como segurança, acessibilidade e recursos naturais são prioritárias. As três estão ligadas, já que a acção de estados a este nível é em primeiro lugar motivada ou por razões económicas ou estratégicas relacionadas com segurança e/ou comércio e indústria. A existência ou não de recursos (energéticos, água, etc) e de terra arável, condições de acesso aos mesmos, e preocupações básicas de segurança definem as posições de um estado no xadrez internacional.
Estas são questões básicas de sobrevivência. O resto gravita à volta e a partir destes imperativos. Definidos estes, num segundo plano encontramos a definição do sistema de sociedade que materializa o funcionamento dos estados. É aqui que entra a política interna e a esmagadora maioria do debate que domina a atenção dos média e a discussão pública. Questões ideológicas podem, no entanto, servir de instrumento na "batalha" geopolítica. A Guerra Fria é um exemplo disto.
Mas o Pacto Molotov-Ribbentrop (Tratado de Não-Agressão celebrado entre a Alemanha nazi e a URSS, assinado em 1939) é uma amostra típica de uma situação em que imperativos geopolíticos anulam diferenças ideológicas, por mais viris que estas sejam. Outro exemplo é a França do Cardeal Richelieu durante a Guerra dos 30 Anos, apoiando principados germânicos e a Suécia protestantes contra os católicos Habsburgos.
Mundo multi-polar: grandes potências do século XXI |
Assistimos actualmente a uma progressiva alteração do quadro político mundial. A ascensão dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), aos quais podemos juntar a Turquia, Irão, Indonésia e México, estados que caminham rapidamente para a afirmação como potências regionais, constitui um desafio geopolítico que não pode ser ignorado. Os EUA, ainda a única verdadeira superpotência, percebeu já esta situação e tem vindo a dedicar cada vez mais atenção ao Pacífico, em deterimento da Europa. Para isto terão contribuído vários factores:
- final da Guerra Fria; desmantelamento do bloco soviético;
- estabilização dos equilíbrios na Europa de Leste;
- a aparente aceitação da esfera de influência Russa - assumida com a vitória desta na crise do Cáucaso de 2008;
- o desenvolvimento económico e militar da China, com a perspectiva de crescente assertividade da mesma no Sudeste Asiático.
Segurança Interna
A história europeia é marcada pela existência contínua de conflitos, que atingiram o seu auge com as duas guerras mundiais.
Mapa Europeu actual |
A Grande Planície Europeia é uma estreita faixa que "desce" dos Montes Urais e acaba no Atlântico acima dos Pirineus. É uma região rica em recursos naturais, fértil, e com vários rios que enriquecem o solo e constituem canais de transporte. Este é também facilitado pela baixa topografia. É portanto uma área com todos os ingredientes necessários para a dinamização económica. A sua geografia favoreceu a criação e concentração de centros urbanos, propiciando o comércio.
Além Alpes temos o Vale do Pó em Itália, outra zona rica, mas com um espaço geográficamente mais constrangido. O Mediterrâneo, principal área de comércio até ao Renascimento, perdeu importância após a queda de Constantinopla para os Turcos Otomanos e a consequente interrupção do comércio com o Oriente através da Rota da Seda, promovendo a expansão Atlântica, materializada primeiro pelos Portugueses e pelos Espanhóis, marcando o fim do período de hegemonia comercial das Repúblicas de Veneza e Génova.
Com o Renascimento veio o desenvolvimento tecnológico, e o Norte Europeu tornou-se a zona central de poder na "península" eurasiática, ascensão consolidada por Holandeses, Ingleses e Franceses. A revolução industrial proporcionou a optimização dos meios de produção e o fortalecimento bélico. A Europa, ancorada na sua superioridade militar e tecnológica, dominava grande parte do mundo.
As mesmas condições geográficas (multiplicidade de rios, cordilheiras montanhosas), aliadas ao sistema feudal de governação, favoreceram a existência de vários estados, em oposição à de um hegemónico. O mapa europeu de 1700 (acima) é esclarecedor: a zona correspondente à Grande Planície dividiu-se ao longo dos séculos numa multitude de reinos e principados, cujas fronteiras foram variando mais ou menos continuamente. A Inglaterra, isolada (e, portanto, protegida) sempre interferiu no noroeste Europeu com vista a salvaguardar os seus interesses, enquanto a França se defendia ou projectava poder nesta zona, onde era mais vulnerável. O Sacro Império Romano-Germânico, uma espécie de confederação de estados e principados germânicos, era a sua maior ameaça continental. No entanto, a arquitectura do império não permitiu uma efectiva centralização do poder. Esta situação foi ainda mais acentuada depois da Reforma Protestante e da Guerra dos 30 anos entre Protestantes e Católicos. Depois da Paz de Vestefália (1648), a França tornou-se a potência continental dominante.
Com acesso ao Mar do Norte, ao Atlântico e ao Mediterrâneo, e com fronteiras naturais a Sudeste e a Sudoeste, sendo apenas vulnerável na Grande Planície, a França era, entre as potências europeias, a melhor posicionada para uma tentativa de dominar o continente. Apenas a efectiva centralização da administração do estado promovida por Napoleão permitiu a concentração de meios que viabilizasse uma real tentativa de materializar os seus planos de conquista. Falhou, porque a tarefa e os recursos humanos e materiais necessários para a conseguir são simplesmente incomportáveis.
No entanto, as consequências das Guerras Napoleónicas perduram até hoje. A centralização da administração levou à cristalização do conceito de estado-nação (ao qual, a partir do final do século XIX, foram acrescentados requintes fantasiosos inspirados em manipulações da teoria evolutiva de Charles Darwin, com consequências catastróficas para as gerações seguintes).
Do Congresso de Viena (1815) resultou uma nova ordem europeia, dominada por 5 grandes potências: Áustria, Reino Unido, Rússia, Prússia e França.
Ordem Europeia pós-Guerras Napoleónicas (1815) |
Ao longo do século XIX os movimentos nacionalistas ganharam força, culminando nas uniões da Itália (1861) e da Alemanha (1871). A unificação Alemã surgiu no seguimento da vitória da Prússia na Guerra Franco-Prussiana de 1870. Que a cerimónia de proclamação do II Reich tenha ocorrido em Versalhes, só sublinha o verdadeiro terramoto político que constituiu. Nunca a Alemanha tinha verdadeiramente sido unida, apresentando-se agora como um estado único sob a firme liderança prussiana.
Proclamação do Império Alemão em Versalhes |
Este acontecimento destruiu o equilíbrio de poder que tinha resultado do Congresso de Viena. E a Europa foi incapaz de encontrar uma forma de coexistência com uma Alemanha unida, daí resultando duas guerras mundiais que a arrasaram.
Da leitura destes factos históricos, resulta uma conclusão simples: não é possível a nenhum estado-nação materializar a ambição de dominar o continente europeu. Mas resulta também uma interrogação: será o sistema de estados-nação compatível com a coexistência com uma Alemanha unida?
Uma União de Europeus
A ideia de uma união de estados europeus não é, portanto, nova. Mas é nos termos em que tem sido construída desde há 60 anos. Reconhecem-se dois factores:
- não é possível a um estado europeu exercer hegemonia sobre todo o continente;
- a estrutura económica europeia, em si resultante dos próprios condicionalismos naturais do território, é incompatível com a alienação da Alemanha do espaço europeu.
Depois da Segunda Guerra Mundial, o arranjo das peças no tabuleiro tornava evidente a táctica a seguir:
- Os EUA e a URSS estabeleceram-se como as duas superpotências, definindo desde logo as suas áreas de influência;
- formaram-se assim dois grandes blocos: os países que aderiram à Organização do Tratado do Norte-Atlântico; os países do Pacto de Varsóvia;
- perante o desafio da reconstrução europeia, a ameaça soviética e a necessidade de encontar uma forma de co-existência pacífica, a constituição de uma união económica tornou-se necessária.
Outro factor determinante no mundo pós-1945 foi o fim dos impérios coloniais, premissa inscrita na Carta do Atlântico assinada por Roosevelt e Churchill pouco antes da entrada dos EUA na 2ª Grande Guerra, onde os signatários comprometiam-se a "respeitar o direito das pessoas de escolher a forma de governo sob a qual viverão".
Mapa Colonial (1936) |
Os Americanos reinvindicavam assim o fim do domínio colonial europeu sobre outras áreas do globo, áreas essas que constituem pontos estratégicos em matéria de recursos naturais e de rotas comerciais. Este facto veio limitar ainda mais a capacidade de projecção unilateral de poder de países europeus.
De notar que o mecanismo de integração europeia teria sempre de ser alicerçado em valores democráticos exactamente por estar posta de parte à partida a ideia de uma potência hegemónica, antes constituindo um veículo de aproximação de estados com vista a uma convivência pacífica baseada numa filosofia comum: estado de direito, economia de mercado, respeito pelos direitos humanos. A natureza ideológica da Guerra Fria apenas sublinhou e reforçou este facto.
O fim dos impérios coloniais contrastou com a necessidade continua de matérias-primas e do estabelecimento e/ou salvaguarda de parcerias comerciais. A globalização surge então como uma necessidade e como uma consequência, ancorada no desenvolvimento tecnológico. As distâncias foram encurtadas e o comércio tornou-se cada vez mais globalizado, promovendo um maior e mais eficiente fluxo de agentes, bens e serviços.
Esta filosofia que esteve na génese da própria União Europeia difundiu-se, portanto, pelo resto do mundo, num cada vez maior entendimento marcado pela diplomacia económica tendo em vista a procura de benefícios mútuos e o desenvolvimento global, resultando daí uma desejada convivência pacífica.
O Fim da História e o Depois
Actualmente os EUA continuam a ser a única potência com capacidade de intervenção militar à escala global, sendo portanto a única superpotência. No entanto o mundo caminha a passos largos para uma arquitectura multi-polar, cujo equilíbrio é dependente da influência exercida pelos principais intervenientes.
Neste novo palco a Europa só terá influência se se apresentar unida, como a maior economia mundial e estrategicamente apetrechada com uma base (continente) integrada, dominando a sua área circundante, numa perspectiva de se apresentar na cena internacional numa posição de força e com uma capacidade de intervenção inegável.
Com uma fronteira predominantemente marítima, o transporte de mercadorias é feito principalmente através desta via. A salvaguarda do fluxo de navios mercantes implica controlo do espaço de influência directa europeia, e o estabelecimento e manutenção de parcerias estratégicas em zonas sensíveis. A ideia de, nestas condições, uma União de Estados Europeus não cobrir toda a península Eurasiática parece simplesmente ilógica.
Principais rotas marítimas mundiais |
Proposta de Grande Área de Influência da União Europeia (James Rogers, Egmont Institute) |
A actual crise das dívidas soberanas tem levantado interrogações sobre o projecto europeu, fundamentando-as nas fortes clivagens que existem dentro da própria Europa, tanto ao nível de riqueza como mesmo ao nível social, argumentando-se que não existe uma verdadeira identidade europeia.
Trata-se de duas falsas questões. Em primeiro lugar, clivagens como as que se verificam na Europa verificam-se também em qualquer federação, podendo-se apontar desde já os exemplos Americano e Chinês, sendo nestes casos as diferenças superiores (e por vezes muito superiores) às que se encontram na União Europeia.
Recursos Energéticos na Europa |
PIB no mundo |
Ao já anteriormente mencionando, acrescente-se o factor demográfico. A estrutura etária nos vários países que compõem a União Europeia não é homogénea o que, mais uma vez, favorece a integração e a mobilidade de pessoas.
Por último, é difícil imaginar a União Europeia tornar-se uma federação nos mesmos moldes de, por exemplo, uns Estados Unidos da América. Se maior integração é inevitável, os diferentes estados apresentam, pelos seus pesos históricos e culturais, identidades vincadas demais para que esse género de federalismo seja viável. O que será mais realista é a existência, de facto, de uma união política que reconheça esta mesma condicionante. Que, na verdade, constitui uma força. Existem 250 milhões de falantes Portugueses no mundo (língua-mãe). 360 milhões de Espanhol, aos quais se adicionam falantes de Inglês e Francês. Esta questão poderá parecer à partida de menor importância, mas não é. A língua é um elemento importante de identidade e, naturalmente, um poderoso instrumento diplomático. Esta diversidade linguística na Europa, longe de ser um problema, é uma vantagem. Dá à União Europeia uma dimensão universalista.
Quanto a identidade europeia, devemos ter uma visão talvez mais realista: a Itália e a Alemanha, duas das maiores economias europeias, são estados recentes. A Alemanha não é mais do que a unificação de vários estados germânicos cozinhada por Otto von Bismark ao som de Wagner. A sua consolidação como nação foi facilitada, claro, por uma língua comum, mas os diferentes estados não perderam um forte sentido de identidade regional. Outros exemplos são Itália e Espanha. Na Europa Central e de Leste as fronteiras entre estados foram-se modificando frequentemente ao longo da história.
Esta é a realidade europeia. E a crise económica actual reduz-se a um problema pontual face ao desafio herculeano que a Europa enfrenta: vencer as suas diferenças internas e resíduos nacionalistas que barram o caminho já traçado de progressiva integração, que não é senão a sequência lógica do que tem sido feito até agora. A aceleração do processo seria apenas uma consequência das circunstâncias decorrentes da conjuntura actual e do que se perspectiva para o futuro. Numa altura em que se multiplicam os acordos bilaterais entre estados europeus e países extra-Europa, e em que se debate a possibilidade da saída da Grécia (um perfeito absurdo geopolítico!), convém que os decisores políticos tenham presente o que está em jogo e as consequências das suas acções. O futuro virá, e nos tempos que correm, cada vez mais depressa.
domingo, 20 de maio de 2012
Democracia e Desenvolvimento
Os regimes democráticos tornam o recurso ao belicismo muito mais problemático, já que a acção dos estados é legitimada pela vontade popular. Por outro lado, o crescimento do nível médio de vida das populações torna mais difícil a aceitação do sofrimento associado a conflitos armados.
Este crescimento do nível de médio de vida apenas é atingível em economias de mercado (que aqui se considera em toda a sua vasta gama, desde o socialismo de mercado ao laissez-faire).
Portanto, aliando democracia, prosperidade e respeito pelos direitos humanos, a probabilidade de ocorrência de conflitos bélicos é severamente reduzida. Verificamos actualmente que em países democráticos desenvolvidos temos:
- sociedades mais dinâmicas, resultando em progressos científicos e tecnológicos com uma rapidez e de um alcance sem paralelo na história;
- consagração dos direitos individuais como base fundamental dos sistemas sociais;
- nível educacional elevado; maior difusão de informação;
- em termos relativos, a classe média representa hoje em dia mais de 50% da população mundial;
- redução drástica do número de conflitos armados relativamente a outros períodos da história.
Estas são vitórias da democracia e da economia de mercado. Mesmo se pensarmos no caso da China, cuja economia mistura centralismo com mercado (uma espécie de "socialismo de mercado"), o seu desenvolvimento está intrínsecamente ligado às democracias ocidentais, suas principais clientes e modelos de desenvolvimento industrial e tecnológico.
Existe um paralelo entre a explosão tecnológica dos últimos três séculos e a transformação política vivida no mundo ocidental no mesmo período. A consagração dos direitos do indivíduo incitada pelos Iluministas resultou de toda uma nova filosofia social que desafiou o establishment vigente. Para além dos desequilíbrios sociais que caracterizavam o Antigo Regime, a estrutura pesada e inibidora de uma sociedade rigidamente estratificada é incompatível com o dinamismo necessário para sustentar a contínua optimização dos meios de produção. Aliás, é fácil verificar que à medida que as sociedades ocidentais se foram tornando mais liberais, o progresso tecnológico foi-se acentuando. Se a tecnologia militar não deixou de ser uma indústria de onde partem muitas das inovações que chegam à sociedade civil (GPS, Internet, etc), não deixa de ser verdade que a sociedade actual exige um alto nível educacional generalizado: quanto mais pessoas tiverem acesso a conhecimento e informação, mais dinâmica será a sociedade e este constitui um pilar fundamental deste progresso.
Neste enquadramento como poderemos interpretar o surgimento dos totalitarismos que varreram a Europa a partir da Primeira Grande Guerra? Uma possível é que caracterizou um momento de profunda transformação a nível político: um cocktail explosivo resultante da mistura de antagonismos nacionalistas e de movimentos revolucionários sociais. Adicionando crises económicas profundas que puseram em causa os meios de subsistência de parte significativa das populações, estão criadas as condições para que as pessoas abram mão de liberdades que nas circunstâncias são relegadas para segundo plano.
As conclusões que se poderão tirar destas considerações são as seguintes:
- sistemas democráticos proporcionam sociedades dinâmicas que fomentam o progresso e desenvolvimento humano; considera-se também que sistemas democráticos são apenas compatíveis com economias de mercado, único veículo conhecido a partir do qual a iniciativa privada é "livre";
- Governos têm o dever de evitar desequilíbrios na distribuição de riqueza, sob pena de criar instabilidade social que mine o funcionamento do sistema;
- existe o potencial nos sistemas democráticos de se tornarem "auto-sustentáveis": uma distribuição equilibrada e proporcionada da riqueza, o respeito pela dignidade humana, e um alto nível educacional poderá garantir a manutenção de um nível de satisfação generalizado; em tais condições, as populações não abrem mão de liberdades;
- sociedades "abertas" e com um nível razoável de prosperidade são menos susceptíveis de se envolverem em conflitos armados; estes simplesmente não são aceites, a menos que a população legitime a sua necessidade.
domingo, 13 de maio de 2012
Ars Imperatoria
Este blog é um de muitos dedicados à análise estratégica, sendo o campo de aplicação amplo: energia, ecónomia, política social, geopolítica, geoestratégia, política interna, política internacional, ciência política, história, sociologia, antropologia ... Todas estas áreas estão intimamente interligadas. E se há especialistas em cada uma delas, qualquer decisor terá de as encarar conjuntamente. Não se trata de uma questão de opção. Tal é a natureza dos estudos sobre política. Sociedades constituem sistemas altamente complexos, em que as mais variadas áreas em que a humanidade desenvolve as suas artes é parte integrante e influencia o "todo", do qual resulta e pelo qual é determinada a sua organização.
Em muitos casos tenta-se restringir a discussão a uma determinada área. Como é óbvio, quando se pretende analisar de uma forma mais elaborada, esta prática torna-se necessária, caso contrário a discussão divergiria ao ponto de se perder o foco na questão a ser tratada. No entanto, quando falamos, por exemplo, da União Europeia, recordamos o que levou à sua génese, os conflitos devastadores que caracterizaram a primeira metade do século XX, por sua vez relacionados com as guerras ideológicas herdadas do século XIX e a instabilidade das relações inter-estados na Europa no mesmo período, principalmente após a unificação Alemã sob a liderança Prussiana em 1871. Falamos também da "Nova Ordem Mundial" pós-1945 e o desafio que os Europeus encaravam de reconstruir um continente em ruínas e promover a necessária reintegração Alemã no "concerto das nações", vivendo no entanto sob o espectro da ameaça soviética. Falamos também do papel e da influência de uma Europa unida num mundo multi-polar.
Nos poucos exemplos mencionados, ficaram patentes os importantes papéis da história, da geopolítica, da ciência política e da segurança (e, obviamente, poderíamos enumerar muitas outras áreas) ao estudar a União Europeia. É importante ter isto presente quando, por exemplo, lemos artigos de economia que postulam a impraticabilidade do projecto Europeu, dados os desequilíbrios entre estados. Este género de análise é imperfeito. Um projecto da envergadura do europeu ultrapassa estes desequilíbrios. Sem, no entanto, menosprezar este aspecto económico, que é da maior importância. Mas o debate põe-se noutros termos: tem o projecto europeu raízes fortes o suficiente para que problemas como a presente crise financeira sejam geríveis?
Darei também algum ênfase ao papel de infraestruturas nos campos referidos anteriormente, não apenas por corresponder à minha área de formação, mas também porque existem muitos equívocos relativamente a este tema. Infraestruturas têm um papel fundamental no planeamento estratégico, constituindo também uma das grandes ferramentas dos estados de intervenção na economia.
"Ars Imperátória" é "estratégia" em latim, tema do blog.
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