quinta-feira, 31 de maio de 2012

Imperativos Europeus

Do ponto de vista da política internacional, questões como segurança, acessibilidade e recursos naturais são prioritárias. As três estão ligadas, já que a acção de estados a este nível é em primeiro lugar motivada ou por razões económicas ou estratégicas relacionadas com segurança e/ou comércio e indústria. A existência ou não de recursos (energéticos, água, etc) e de terra arável, condições de acesso aos mesmos, e preocupações básicas de segurança definem as posições de um estado no xadrez internacional.

Estas são questões básicas de sobrevivência. O resto gravita à volta e a partir destes imperativos. Definidos estes, num segundo plano encontramos a definição do sistema de sociedade que materializa o funcionamento dos estados. É aqui que entra a política interna e a esmagadora maioria do debate que  domina a atenção dos média e a discussão pública. Questões ideológicas podem, no entanto, servir de instrumento na "batalha" geopolítica. A Guerra Fria é um exemplo disto.

Mas o Pacto Molotov-Ribbentrop (Tratado de Não-Agressão celebrado entre a Alemanha nazi e a URSS, assinado em 1939) é uma amostra típica de uma situação em que imperativos geopolíticos anulam diferenças ideológicas, por mais viris que estas sejam. Outro exemplo é a França do Cardeal Richelieu durante a Guerra dos 30 Anos, apoiando principados germânicos e a Suécia protestantes contra os católicos Habsburgos.


Mundo multi-polar: grandes potências do século XXI

Assistimos actualmente a uma progressiva alteração do quadro político mundial. A ascensão dos BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China), aos quais podemos juntar a Turquia, Irão, Indonésia e México, estados que caminham rapidamente para a afirmação como potências regionais, constitui um desafio geopolítico que não pode ser ignorado. Os EUA, ainda a única verdadeira superpotência, percebeu já esta situação e tem vindo a dedicar cada vez mais atenção ao Pacífico, em deterimento da Europa. Para isto terão contribuído vários factores:
  • final da Guerra Fria; desmantelamento do bloco soviético;
  • estabilização dos equilíbrios na Europa de Leste;
  • a aparente aceitação da esfera de influência Russa - assumida com a vitória desta na crise do Cáucaso de 2008;
  • o desenvolvimento económico e militar da China, com a perspectiva de crescente assertividade da mesma no Sudeste Asiático.

Segurança Interna

A história europeia é marcada pela existência contínua de conflitos, que atingiram o seu auge com as duas guerras mundiais.


Mapa Europeu actual

A Grande Planície Europeia é uma estreita faixa que "desce" dos Montes Urais e acaba no Atlântico acima dos Pirineus. É uma região rica em recursos naturais, fértil, e com vários rios que enriquecem o solo e constituem canais de transporte. Este é também facilitado pela baixa topografia. É portanto uma área com todos os ingredientes necessários para a dinamização económica. A sua geografia favoreceu a criação e concentração de centros urbanos, propiciando o comércio.

Além Alpes temos o Vale do Pó em Itália, outra zona rica, mas com um espaço geográficamente mais constrangido. O Mediterrâneo, principal área de comércio até ao Renascimento, perdeu importância após a queda de Constantinopla para os Turcos Otomanos e a consequente interrupção do comércio com o Oriente através da Rota da Seda, promovendo a expansão Atlântica, materializada primeiro pelos Portugueses e pelos Espanhóis, marcando o fim do período de hegemonia comercial das Repúblicas de Veneza e Génova.

Geografia Europeia

Com o Renascimento veio o desenvolvimento tecnológico, e o Norte Europeu tornou-se a zona central de poder na "península" eurasiática, ascensão consolidada por Holandeses, Ingleses e Franceses. A revolução industrial proporcionou a optimização dos meios de produção e o fortalecimento bélico. A Europa, ancorada na sua superioridade militar e tecnológica, dominava grande parte do mundo.

Europa - 1700 AD

As mesmas condições geográficas (multiplicidade de rios, cordilheiras montanhosas), aliadas ao sistema feudal de governação, favoreceram a existência de vários estados, em oposição à de um hegemónico. O mapa europeu de 1700 (acima) é esclarecedor: a zona correspondente à Grande Planície dividiu-se ao longo dos séculos numa multitude de reinos e principados, cujas fronteiras foram variando mais ou menos continuamente. A Inglaterra, isolada (e, portanto, protegida) sempre interferiu no noroeste Europeu com vista a salvaguardar os seus interesses, enquanto a França se defendia ou projectava poder nesta zona, onde era mais vulnerável. O Sacro Império Romano-Germânico, uma espécie de confederação de estados e principados germânicos, era a sua maior ameaça continental. No entanto, a arquitectura do império não permitiu uma efectiva centralização do poder. Esta situação foi ainda mais acentuada depois da Reforma Protestante e da Guerra dos 30 anos entre Protestantes e Católicos. Depois da Paz de Vestefália (1648), a França tornou-se a potência continental dominante.  

Com acesso ao Mar do Norte, ao Atlântico e ao Mediterrâneo, e com fronteiras naturais a Sudeste e a Sudoeste, sendo apenas vulnerável na Grande Planície, a França era, entre as potências europeias, a melhor posicionada para uma tentativa de dominar o continente. Apenas a efectiva centralização da administração do estado promovida por Napoleão permitiu a concentração de meios que viabilizasse uma real tentativa de materializar os seus planos de conquista. Falhou, porque a tarefa e os recursos humanos e materiais necessários para a conseguir são simplesmente incomportáveis.

No entanto, as consequências das Guerras Napoleónicas perduram até hoje. A centralização da administração levou à cristalização do conceito de estado-nação (ao qual, a partir do final do século XIX, foram acrescentados requintes fantasiosos inspirados em manipulações da teoria evolutiva de Charles Darwin, com consequências catastróficas para as gerações seguintes).

Do Congresso de Viena (1815) resultou uma nova ordem europeia, dominada por 5 grandes potências: Áustria, Reino Unido, Rússia, Prússia e França.

Ordem Europeia pós-Guerras Napoleónicas (1815)

Ao longo do século XIX os movimentos nacionalistas ganharam força, culminando nas uniões da Itália (1861) e da Alemanha (1871). A unificação Alemã surgiu no seguimento da vitória da Prússia na Guerra Franco-Prussiana de 1870. Que  a cerimónia de proclamação do II Reich tenha ocorrido em Versalhes, só sublinha o verdadeiro terramoto político que constituiu. Nunca a Alemanha tinha verdadeiramente sido unida, apresentando-se agora como um estado único sob a firme liderança prussiana. 

Proclamação do Império Alemão em Versalhes

Este acontecimento destruiu o equilíbrio de poder que tinha resultado do Congresso de Viena. E a Europa foi incapaz de encontrar uma forma de coexistência com uma Alemanha unida, daí resultando duas guerras mundiais que a arrasaram.

Da leitura destes factos históricos, resulta uma conclusão simples: não é possível a nenhum estado-nação materializar a ambição de dominar o continente europeu. Mas resulta também uma interrogação: será o sistema de estados-nação compatível com a coexistência com uma Alemanha unida?

Uma União de Europeus

A ideia de uma união de estados europeus não é, portanto, nova. Mas é nos termos em que tem sido construída desde há 60 anos. Reconhecem-se dois factores:
  • não é possível a um estado europeu exercer hegemonia sobre todo o continente;
  • a estrutura económica europeia, em si resultante dos próprios condicionalismos naturais do território, é incompatível com a alienação da Alemanha do espaço europeu.
Depois da Segunda Guerra Mundial, o arranjo das peças no tabuleiro tornava evidente a táctica a seguir:
  • Os EUA e a URSS estabeleceram-se como as duas superpotências, definindo desde logo as suas áreas de influência;
  • formaram-se assim dois grandes blocos: os países que aderiram à Organização do Tratado do Norte-Atlântico; os países do Pacto de Varsóvia;
  • perante o desafio da reconstrução europeia, a ameaça soviética e a necessidade de encontar uma forma de co-existência pacífica, a constituição de uma união económica tornou-se necessária.
Outro factor determinante no mundo pós-1945 foi o fim dos impérios coloniais, premissa inscrita na Carta do Atlântico assinada por Roosevelt e Churchill pouco antes da entrada dos EUA na 2ª Grande Guerra, onde os signatários comprometiam-se a "respeitar o direito das pessoas de escolher a forma de governo sob a qual viverão".


Mapa Colonial (1936)

Os Americanos reinvindicavam assim o fim do domínio colonial europeu sobre outras áreas do globo, áreas essas que constituem pontos estratégicos em matéria de recursos naturais e de rotas comerciais. Este facto veio limitar ainda mais a capacidade de projecção unilateral de poder de países europeus.

De notar que o mecanismo de integração europeia teria sempre de ser alicerçado em valores democráticos exactamente por estar posta de parte à partida a ideia de uma potência hegemónica, antes constituindo um veículo de aproximação de estados com vista a uma convivência pacífica baseada numa filosofia comum: estado de direito, economia de mercado, respeito pelos direitos humanos. A natureza ideológica da Guerra Fria apenas sublinhou e reforçou este facto.

O fim dos impérios coloniais contrastou com a necessidade continua de matérias-primas e do estabelecimento e/ou salvaguarda de parcerias comerciais. A globalização surge então como uma necessidade e como uma consequência, ancorada no desenvolvimento tecnológico. As distâncias foram encurtadas e o comércio tornou-se cada vez mais globalizado, promovendo um maior e mais eficiente fluxo de agentes, bens e serviços.

Esta filosofia que esteve na génese da própria União Europeia difundiu-se, portanto, pelo resto do mundo, num cada vez maior entendimento marcado pela diplomacia económica tendo em vista a procura de benefícios mútuos e o desenvolvimento global, resultando daí uma desejada convivência pacífica.


O Fim da História e o Depois

Actualmente os EUA continuam a ser a única potência com capacidade de intervenção militar à escala global, sendo portanto a única superpotência. No entanto o mundo caminha a passos largos para uma arquitectura multi-polar, cujo equilíbrio é dependente da influência exercida pelos principais intervenientes. 

Neste novo palco a Europa só terá influência se se apresentar unida, como a maior economia mundial e estrategicamente apetrechada com uma base (continente) integrada, dominando a sua área circundante, numa perspectiva de se apresentar na cena internacional numa posição de força e com uma capacidade de intervenção inegável.

Com uma fronteira predominantemente marítima, o transporte de mercadorias é feito principalmente através desta via. A salvaguarda do fluxo de navios mercantes implica controlo do espaço de influência directa europeia, e o estabelecimento e manutenção de parcerias estratégicas em zonas sensíveis. A ideia de, nestas condições, uma União de Estados Europeus não cobrir toda a península Eurasiática parece simplesmente ilógica.


Principais rotas marítimas mundiais



Proposta de Grande Área de Influência da União Europeia (James Rogers, Egmont Institute)

A actual crise das dívidas soberanas tem levantado interrogações sobre o projecto europeu, fundamentando-as nas fortes clivagens que existem dentro da própria Europa, tanto ao nível de riqueza como mesmo ao nível social, argumentando-se que não existe uma verdadeira identidade europeia.

Trata-se de duas falsas questões. Em primeiro lugar, clivagens como as que se verificam na Europa verificam-se também em qualquer federação, podendo-se apontar desde já os exemplos Americano e Chinês, sendo nestes casos as diferenças superiores (e por vezes muito superiores) às que se encontram na União Europeia.

Recursos Energéticos na Europa

PIB no mundo

Ao já anteriormente mencionando, acrescente-se o factor demográfico. A estrutura etária nos vários países que compõem a União Europeia não é homogénea o que, mais uma vez, favorece a integração e a mobilidade de pessoas. 

Estrutura Etária na UE - percentagem da população com mais de 65 anos

Por último, é difícil imaginar a União Europeia tornar-se uma federação nos mesmos moldes de, por exemplo, uns Estados Unidos da América. Se maior integração é inevitável, os diferentes estados apresentam, pelos seus pesos históricos e culturais, identidades vincadas demais para que esse género de federalismo seja viável. O que será mais realista é a existência, de facto, de uma união política que reconheça esta mesma condicionante. Que, na verdade, constitui uma força. Existem 250 milhões de falantes Portugueses no mundo (língua-mãe). 360 milhões de Espanhol, aos quais se adicionam falantes de Inglês e Francês. Esta questão poderá parecer à partida de menor importância, mas não é. A língua é um elemento importante de identidade e, naturalmente, um poderoso instrumento diplomático. Esta diversidade linguística na Europa, longe de ser um problema, é uma vantagem. Dá à União Europeia uma dimensão universalista.

Quanto a identidade europeia, devemos ter uma visão talvez mais realista: a Itália e a Alemanha, duas das maiores economias europeias, são estados recentes. A Alemanha não é mais do que a unificação de vários estados germânicos cozinhada por Otto von Bismark ao som de Wagner. A sua consolidação como nação foi facilitada, claro, por uma língua comum, mas os diferentes estados não perderam um forte sentido de identidade regional. Outros exemplos são Itália e Espanha. Na Europa Central e de Leste as fronteiras entre estados foram-se modificando frequentemente ao longo da história.

Esta é a realidade europeia. E a crise económica actual reduz-se a um problema pontual face ao desafio herculeano que a Europa enfrenta: vencer as suas diferenças internas e resíduos nacionalistas que barram o caminho já traçado de progressiva integração, que não é senão a sequência lógica do que tem sido feito até agora. A aceleração do processo seria apenas uma consequência das circunstâncias decorrentes da conjuntura actual e do que se perspectiva para o futuro. Numa altura em que se multiplicam os acordos bilaterais entre estados europeus e países extra-Europa, e em que se debate a possibilidade da saída da Grécia (um perfeito absurdo geopolítico!), convém que os decisores políticos tenham presente o que está em jogo e as consequências das suas acções. O futuro virá, e nos tempos que correm, cada vez mais depressa.















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